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22.11.01


A vida tem basicamente dois caminhos: ou você segue o triste rebanho dos acomodados — e se submete como se fosse escravo —, ou você escolhe o caminho da ousadia e da liberdade.
Qual é o teu caminho?
(A vida é curta, a morte é longa.)
Estou aqui, ouvindo histórias que os pardais me contam, madrugada azul esvoaçante ensolarando. Lindas as histórias, fico cheio de vontade de cantá-las pra você, como se fosse só. Preciso de longe reger a sinfonia inacabante, também sou Vogelfrei. Gosto de reger, mas também de cantar, voar, ciscar. E de amar — nesse ponto eu me supero: nasci pra ser pardal amante. Durmo cada dia numa árvore — e já me acordo numa outra. Cada noite nas asas de uma fêmea, às vezes, de duas — mas nunca de qualquer uma. Tem que ser livre, deve gostar de ciscar, voar, cantar e amar, logicamente.
E se o nome dela for outro, mesmo assim se chama Jô.
Sou só um subversivo que hoje lê “Os Demônios” de Dostoiévski e me lembro da Casa dos Mortos.
É disso que falo — e se você não entende, melhor parar por aqui. Não quero ficar gastando sabão em cabeça de burro, outra vez. Só quero cantar minha história como se música. Afinal, sou um pardal de quem posso dizer com orgulho de rei coroado:
— Je suis pierrot.
Meus vícios e virtudes, e a quantidade que de cada devo ter — tudo isso foi por Deus determinado.
E tenho dois lados: um forte e um fraco. A semelhança entre eles é que ambos são vencedores. Enquanto o lado forte vence com meu apoio, o lado fraco vence sempre sozinho.
Porque dentro do meu corpo mora o Mefistófeles.
Mais tarde Joelma levantou a taça de vinho (brindando à lua) e comentou sobre Noelle Page, e a certeza que esta tinha em conseguir o que queria. Digo-lhe que Douglas, como todo mundo, tem muitas faces, e que deveríamos dar-lhe a chance de mostrá-las, todas de uma vez, no outro lado da meia-noite.
— Também tenho muitas faces. Sou às vezes um arqueiro zen que acerta sua seta de luz no alvo escuro — nas asas acesas de uma mosca cega. Outras vezes sou só um bom menino.
— Eu sei que você é bom... — ela sussurra.
— Mas mesmo quando bom, não é de mim que o Bem provém. Sou apenas um canal por onde o Universo te penetra, meu amor. E se algum dia deixar de ser bom, não será em mim que a Bondade cessará. Através de mim é que as coisas acontecem...
— Essa face tua que agora vejo me basta — ela diz.
— Mas há outras que eu quero te mostrar.

(Não tive tempo. Mas eram assim as nossas noites: vinho, lua, queijo e filosofia.)

Como disse Dégas:
"Quem quiser ser um artista de verdade tem que mergulhar na solidão".

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