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2.1.02


Dançando à luz de velas.

Quando me entrego em teus braços, menina, quase por pouco morro. Mas morro muito, por quase todo.
Para em ti entrar, tenho antes que sair de mim.
E mesmo que seja por pouco tempo, é por todo o tempo meu.
Ontem trouxe Montaigne para ela, Montaigne de amor.
Janaína é uma literatura sensual de palavras não escritas que se tocam duplamente — umas nas outras, e todas no próprio corpo.
A maior expressão da beleza humana!
Ela está sentada à minha esquerda, sorrindo.
— Janaína, quero te ver dançando lua. Vou apagar as luzes para que só teu brilho ilumine a geografia deste lugar. Voltarei à cadeira branca e vou acelerar com a perplexidade dos meus olhos o desenrolar das circunstâncias. A música que você gosta estará sendo cantada por um demônio chamado Jon. É New Orleans que se repete, mil vezes serão precisas, mil e uma noites dentro de mim.
(Histórias que fecundam teu desejo de amar.)
— Esta música me lembra uma só coisa — você diz.
— O quê? — pergunto.
— Erotismo! — você responde, olhos fechados, dançando na cadeira, coleando como naja que se levanta num cesto de vime ao som de um flautim.
Trago meu relógio de um só ponteiro, proponho-lhe um teste. Ficou cinqüenta e dois segundos sem respirar. E nesses segundos fui eu que respirei em nome dela, primeiro — duplamente. Meus desejos, acordados, ficaram suspensos no ponteirinho. Meu relógio, em cujo mostrador se pode ler "É mais tarde do que você imagina." — ready made, arte pura — arde, puro. Só tem um ponteiro, o de segundos. Mais do que relógio, é um diapasão, onde afino minhas idéias de amor e refino meu tempo de ser.
Janaína é mais!
(Zé Ramalho é agora meu belo cavalo negro, galopando um ritmo novo pra mim, à beira do mar. Cavalgo também, e levo Janaína comigo — em pêlo.)
Dança como dançasse sobre si, uma Isadora Duncan morena se inspirando na Crítica da Razão Pura. Mas não há coreografia — há uma cega espontaneidade sensual. Minhas pálpebras te aplaudem, Janaína, céleres, e sinto que mesmo no meio de mil você dançará como se única.
Há uma esperança que nasce no cérebro e outra que vem do coração. As duas se encontram quase sempre em mim.
Vestido azul que não cobre teu corpo — antes, descobre o conteúdo das formas. As cortinas do palco te abrem, todas. Descalça, caminhe até lá — meus desejos vão agora além da minha voz. Desate esse lacinho branco, que nasce como flor no teu peito que suspira. Não é um mero strip-tease que meus olhos buscam, Janaína — eles querem é pousar na perfeição de uma nudez que se descobre. Tua boca, fechando em tua língua o sabor chocolate de cerejas, muda, não diz nada, mas teus lábios se pronunciam, gritam silêncios como se fossem palavras de amor. Tua cabeça que dança, meneia, diz que não — mas teu sorriso diz que sim! Teu coração, pulsando indeciso agora em minhas mãos, diz — t-talvez!
Mas teus lábios, todos, protestam amiúde — e dizem Sim!
Sim, vou levantar ainda mais, e acender uma vela de pêssegos numa taça de cristal, emborcada, como fosse um castiçal pecador suportando brilhos que tremem.
— Quero te ver dançando à luz de velas, Janaína!
Dance pelo tempo que quiser.
Depois, veja que há um céu sob você, deite-se nele e se entregue à pureza. Vou cobrir de inocência, candura e leveza os meus lábios, só pra beijar teu clitóris. Vontade de tocar fundo com meus dedos máximos, mas saberei me conter — em nome de algum mistério que se prolonga, quase desatado talvez entre nós. Tocarei teu clitóris como tocasse cravo recém-colhido.
Meus dedos, loucos de amor, serão rosas de Mozart.
O cravo beijou a rosa debaixo de uma sacada — à luz de um quarto crescente, à beira do nosso mar, na borda de um precipício.
Transformo minhas mãos em roseiras, quebro espinhos que elas tenham e derramo sobre nós dois as pétalas vermelhas, entusiasmadas, sangüíneas.
E o cravo carmesim de novo beija os lábios cor de rosa.
Coloco tua boca macia em dois pedacinhos do meu coração tornado chocolate. Dionísio, felino deus, vem te oferecer outro gole de Gatão, branco, supremo. Teus doces lábios superiores, cor de cereja, têm gosto agora de vinho. Janaína, teus lábios nacarados, têm cor de clitóris em noites de amor.
A mulher mais perfeita que já vi na minha vida!
Repito diferente, com mais ênfase e gostosura na conclusão — a mulher mais Janaína que já vi na minha vida!
Você agora é adjetivo, meu amor, adjetivo!
— Janaína.

Se eu fosse menos do que sou não seria capaz de ser teu!


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