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24.9.07

Musa

Musa com algema no dedo anular vira esposa. Com o tempo, desencanta. Por isso, não desperdice a musa: não queira casar com ela. Formalizar as aventuras é o mesmo que contratar o Desespero. O casamento pode ser o túmulo do Amor. É um risco enorme... Valerá talvez a pena ser corrido? Não sei. Mas não queira engaiolar a exuberância. Não engarrafe as emoções. Não sufoque a liberdade. A menos que você já tenha feito a opção por repetir as relações antigas, e tornar-se apenas um reprodutor da espécie… Claro que reproduzir a espécie também é uma tarefa digna, e pode ser até gratificante, em certos casos. Mas não tem nada a ver com Aventura e Liberdade.


O casamento pode ser o cemitério das Paixões!





Ora, Edson — você pode me dizer — se teu pai e tua mãe não tivessem se casado, você não teria nem nascido. Concordo, é verdade: eu nem existiria. Entretanto, por mais que eu hoje os agradeça, por mais que mil anjos os agradeçam de joelhos todo dia em meu nome — nada vai trazer de volta as aventuras gloriosas que meu pai e minha mãe deixaram de viver por causa do casamento. Nada! E se minha mãe, aos dezenove anos de idade, tivesse encontrado um poeta louco e libertário como eu, certamente não teria se casado. E eu não estaria aqui, agora, conversando com você…

Como se vê, a Vida é um mistério delicioso!



Mas é preciso lembrar que eu mesmo já me casei cinco ou seis vezes. E todas foram experiências maravilhosas. Talvez porque o projeto nunca foi geração de prole, nem de contribuir para nenhuma estatística. Sabíamo-nos passageiros e assim nos comportávamos. Sempre houve um respeito absoluto pela própria liberdade e pela liberdade do outro. E, em cada um deles, nos separamos no pico da relação. Talvez isso tenha feito toda a diferença. A paixão nunca chegou a esfriar!


Vamos teorizar um pouco.


Um casamento jamais será opressivo ou torturante — se os casais abdicarem da sua liberdade pessoal. Suprimida esta, preferencialmente de forma consensual, a harmonia se instala. O sentimento de opressão só advirá se pelo menos um dos parceiros continuar amante da liberdade. Afinal, ninguém se casa para ficar mais livre. Seria uma contradição. Nesse sentido, requer-se apenas uma verificação do custo/benefício: quanto perco da minha liberdade pessoal — e quanto ganho em outros campos. Quanto prazer me dá uma possível reclusão. Quanta segurança. Quanta garantia. Quanto sossego. São essas algumas das questões que se podem levantar para entender uma relação de amor.


Toda relação é restritiva — por definição. O que varia é o grau de restrição e os propósitos mútuos dos que se relacionam. Mesmo as relações comerciais são restritivas, posto que fundadas em mútuas concessões. Eu te dou um desconto e você só compra de mim. No casamento ocorre a mesma coisa. Eu tolero a tua cerveja e o futebol e você não reclama por me ver descabelada. Eu só transo com você e você não sai com mais ninguém. Você me dá um desconto, que eu te pago à vista. E por aí vai.

É uma troca, simplesmente.

Também influem os objetivos imediatos ou remotos de cada um, além da sua (i)maturidade emocional. Emprego está difícil, vou me casar. Quero ter um filho, e preciso de alguém que o produza, eduque, ou sustente. Quero sair da casa dos meus pais. Quero morar com meu atual namorado ou namorada. Quero alguém para ser a projeção da minha mãe. Quero ajudar alguém. Quero que alguém me ajude. Quero ter a chance de exercer minhas ganas autoritárias. Quero constituir uma família. Quero ser respeitável. Quero voltar a ser santa. Quero uma empregada doméstica. Quero seguir a tradição. Enjoei do meu estado civil original. Quero reproduzir a relação dos meus pais, exatamente igual — ou corrigindo-a. Quero mudar de vida. Quero melhorar a vida. Estou apaixonada. Quero desperdiçar minha vida. Cansei de ser livre. Quero fazer uma grande besteira. Quero fazer uma besteira monumental. Nosso casamento será diferente. Quero fazer amor todo dia. Quero ser feliz. Quero engordar. Etc.


Como se vê, razões para casar é o que não falta.

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