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13.10.01



Capítulo 2 do livro Solidão a Mil.

A liberdade é fascinante.

E se você não me entende, é melhor parar.

Pois não preciso da tua Razão, apenas gosto dela.

Assim como você não precisa de mim, também não preciso de você, nem um pouquinho. Se você não me compreende, e tem alguma intenção de continuar lendo o que escrevo, terei que chacoalhar os teus olhos daqui. Vou abanar estas páginas ao vento. Vogelfrei.

Antes de continuar cantando piaf a minha história, vou te dizer uma coisa muito importante. Existem, em si, pardais em gaiolas, mas não aqueles que são naturais — esses não se deixam prender, e ninguém sequer pensa em prendê-los. Mas, existe um tipo de pardal que tem falsas plumagens, usa correntinhas, braceletes, anéis no dedo anular. Se esquecem de voar: pensam que as asas são enfeites que devem ser colados ao próprio corpo.

Esses se ferram, em todos os sentidos.

Às vezes — e pode ser o teu caso — descobrem que entram pouco a pouco numa gaiola chamada "fria".

E se descobrem livres só quando já estão presos.

Têm alma de pássaro livre, mas já foram colocados na gaiola. Reconhecem que de alguma forma se deixaram foder: esse o primeiro passo. O reconhecimento efetivo da própria situação miserável é o primeiro passo para superá-la.

Esse, o primeiro vôo.

--Vogelfrei, Edith, Vogelfrei!

Grite junto comigo, levante-se e grite bem alto e forte:

“A partir de agora -- e para sempre -- ninguém mais vai mandar em mim, exceto meu próprio coração!”


Repita essa oração todo dia.

Grite — nem que seja por dentro.

Mas não se esqueça nunca de crescer, ficar forte — e romper com a gaiola.

E com os donos da gaiola.

Liberdade não combina com nenhum tipo de grade — nem com nenhum tipo de dono. Vogelfrei, em alemão, quer dizer exatamente isto: Pássaro Livre.

Vogel ("fôguel") — frei ("frái") = Fora da lei.

Porque a lei encarcera o espírito.

A norma é o cabresto da criatividade.

Há uma guilhotina chamada relógio de ponto, e toda vez que você aciona a alavanca, é o pescoço da tua liberdade que se fere.

Matar-se para ganhar a vida é a pior espécie de morte.

No escritório, nossa imaginação não se enfeitiça, não sobe montanhas, não escala picos, não voa.

Quando executamos uma tarefa, no escritório, na fábrica, nada de verdadeiramente grandioso se acrescenta à nossa vida. O mundo não fica nem um pingo melhor...

Por falar em escritório, às vezes trabalho num.

Mas ser diretor tem lá suas vantagens.

Por exemplo, quando atendo um desses advogados com nó na garganta, cheio de empáfia e falsas importâncias (principalmente se o coitado nem sabe que "doutor" é um título, e se acha o tal...); quando recebo esses clientes ávidos por tolas informações (que os coitados supõem fundamentais); quando vejo os gerentes todos em busca de tão pouco, em troca de quase nada, à cata de migalhas e posições, enaltecendo misérias e tranqueiras, acumulando detritos e miudezas; quando vejo essa correria absurda e sem destino, esse tumulto; quando vejo tama-nha falta de poesia, tanta ausência de paz e de harmonia; quando vejo tudo isso, sinto-me Deus concedendo audiência a espíritos inferiores. Seguro uma caneta e, enquanto os ouço dizer tão profundas asneiras, encosto-a nos lábios, transformo a bic em flauta mágica e começo a melodia imaginária que me eleva e me enleva.

Deixo-os falando como papagaios ignorantes e viajo, entro em devaneio absoluto. De tempos em tempos, murmuro “hum-hum...”, ou “com certeza...” Quando percebo interrogação no fim de uma frase que mal consegui ouvir, resmungo: “de certa forma, sim, mas traga-me detalhes...”

Ao final, sempre digo-lhes “Parabéns!” — e eles se vão, contentes, satisfeitos com as minhas opiniões, agradecidos pela atenção que lhes concedo.

E eu continuo tocando a flautinha bic...

Se você não entende — nem toca bic — é melhor aprender.

Definitivamente.



Toque o Clicktoris da Santíssima.

Ou conheça uma Filosofia tântrica.


Hoje é o dia mais feliz da miha vida!


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