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13.10.01


O acaso.


Meu bisavô, aos sessenta e dois anos de idade, na década de trinta do século passado, abandonou tudo e apareceu por aqui trazendo no colo uma adolescente chamada Loucura para ser sua amante. Um despropósito, disseram todos. Mas o verdadeiro rebelde não hesita entre viver e morrer. O velho Luiz, afogado numa estabilidade massacrante, não havia desistido de procurar aquela coisa que atende pelo singelo nome de felicidade. Gastou janeiro fazendo planos, um mês inteiro ouvindo vozes, que nem Moisés. E a Loucura passando ali, por frente dele, feito convite, descalça, vestidinho de chita, cabelos soltos, meio ressabiada. Os peitinhos despontando. Então abandonou tudo: as propriedades e as impropriedades que a elas se ligam, a esposa controladora, os filhos perplexos, as fazendas, as noras, os netinhos, os novilhos e as velhas emoções.

Tudo por causa de Vitalina.

Por aquela menina delicada ele abandonaria o mundo. Por ela, e pelo que então simbolizava, ele abandonou milhares de cabeças de gado e todas as certezas que lhe haviam dado como herança. Era um rebelde: trocou o futuro morno, garantido e certo por um presente gostoso e faiscante.

Jogou fora o velho baú de premissas usadas.

Trocou um milhão de verdades antigas por uma pequena mochila de sonhos.

Você sabe, não dá para salvar a alma sem salvar o corpo.

E o que mais excita o ser humano é a possibilidade aberta de uma nova vida. Então Luiz tomou aquelas decisões que só os grandes homens conseguem tomar: montou o cavalo negro do risco absoluto e partiu! Pois ele também já sabia que o único crime que não tem perdão é desperdiçar a vida. Abandonou tudo para não ter que abandonar-se a si mesmo, para não ter que abandonar a própria existência naqueles caminhos já percorridos.

Não fosse por isso eu não estaria aqui, agora, à beira do mar, tomando um belo copo de vinho vermelho e contando essas coisas pra você.

Sou portanto bisneto da rebeldia.

Sou bisneto da rebeldia, neto da emoção, filho da loucura, irmão do desejo, primo do prazer, amigo da liberdade, e amante de todos os meus amores.

E existo, por incrível que pareça.

No céu da minha boca não há fogos de artifício.

Só estrelas.


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